“Muitas pessoas faliram por ter investido maciçamente na prosa da vida.

É uma honra arruinar-se por causa da poesia.”

Oscar Wilde

segunda-feira, maio 07, 2012

Comunicado Aberto ao Mercado - IPO Banco de Deus

Em virtude da explosão religiosa, sem trocadilhos, que abraça o mundo, eu, Firmino Monetário, filho de Deus, também conhecido pelo codinome Alá, dentre tantos outros, decidi, auxiliado por uma visão e por uma brecha na lei, desenvolver um espaço puro, onde possam ser confiscados, digo, confiados os suados recursos adquiridos, por todos os fiéis, sejam estes cristãos, muçulmanos, judeus, etc., ao longo de suas vidas; Asseguramos que a tolerância será nossa bandeira, visto que Money is Money, desde que sejam dólares, libras esterlinas ou euros.

Informamos, portanto, que está fundada a Instituição Banco de Deus, cuja matriz, denominada BANK OF GOlD – em inglês mesmo, visto que seremos o primeiro Banco Universal, opa, quero dizer, o primeiro Banco presente em todos os países do mundo e em alguns planetas do universo, nesse caso através do modelo de franquias –, está situada em Luxemburgo, local seguro e sigiloso onde estão, outrossim, as escrituras de minhas fazendas, de meus iates, de minhas casas em Miami, em Aspen e na Riviera Francesa, além de minhas setenta e duas virgens, é, humm, bem, enfim...

Se tu és católico e acreditas que o lucro é um pecado, seu dinheiro não renderá nada além da inflação acumulada no período; por outro lado, se fores judeu, sua rentabilidade beijará o firmamento; já se fores mulçumano, bem, se fores mulçumano, inshalá, muito, mais muito ouro o espera... O importante é que saibas que seus recursos serão administrados com “La mano de Díos”.

Nosso IPO realizar-se-á na próxima semana e contamos contigo, fiel cidadão!

Seja nosso acionista, venha fazer parte dessa empresa divina. Adquira nossos papéis, compre nossos produtos, como o crédito imobiliário “Céu, lá vou eu!” e garanta seu cantinho próprio no paraíso, com prazos de até 72 meses para pagar, ou o "PIC Eternidade", movimente sua conta dízimo conosco e nos possibilite o prazer de elegermos muitos senadores, deputados, vereadores, contraventores do bicho, opa, contraventores não, brincadeira!

Venha, nós o aguardamos, eu e Deus.

quinta-feira, maio 03, 2012

Sentimentos azul-outono


Contemplo,
em meu claustro,
revoadas
que buscam pelo
próximo verão,
aljôfares que
correm de encontro ao mar,
enquanto brisas ousadas
murmuram-me
confidências ao
pé do ouvido.

“O que penso
eu do mundo?
Sei lá o
que penso do mundo”,
assim como
desconheço o
que sinto;
sei, contudo, que sinto,
e isso me basta…

Arrisco, baldado,
olvidar-me, definitivamente,
de rigorosos alvitres
que me dilaceram…
recordes
de elegantes
lábios escarlates
que bailam ao
ritmo de Gardel,
de olhos
tão intensos que
inebriam com a
violência de fadas
impressionistas,
de curvas
tão fartas que se
tornam perigosas
(VÓRTICES DE EMOÇÃO!)
silhuetas sinuosas
em que desejo
me encontrar
e me perder.

Arrisco e falho!
o sei, de certo;
sobra-me, pois,
diante de persistentes
reveses,
degustar o céu
azul-outono
embebido pelo saibo
doce-amargo
de amores
impossíveis.

Eduardo Candido Gomes

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terça-feira, maio 01, 2012

Raimundo Nonato (Parte VI)


A porta anuncia, com suas cornetas, a chegada daquele que lhe é soberano, abrindo-se, convidativa, à passagem de Raimundo, que, bamba, aceita o gracejo. O acesso é feito à sala de estar, cujo formato quadrado, com os poucos móveis dispostos, dá a impressão de ser ampla, todavia é limitada a uma área deveras discreta. À esquerda, um sofá de dois lugares, em couro bege, com alguns rasgos em ambos os assentos e no encosto próximo à pequena almofada vermelha que repousa em seu braço. Na parede, um pequeno quadro paisagístico retratando um ambiente bucólico típico do campo, em uma moldura lisa, sem trabalhos aparentes. Opondo-se à paisagem, um pequeno televisor — de dar inveja a colecionadores de quinquilharias e faria sucesso nos diversos museus sobre mídia que existem espalhados pelo mundo — sobre um caixote de madeira, cujas antenas espreguiçadas abraçam, ou são abraçadas, por novelos de palhas de aço em suas extremidades; a seu lado, uma mesinha geralmente utilizada como apoio para aparelhos telefônicos, ocupada por um vaso cuja flor solitária já apresenta sinais de envelhecimento. Disposto centralmente entre o aparelho e o assento, um pequeno tapete, trabalhado com retângulos multicoloridos, tons de marrom, cujas colorações o camuflam com o assoalho de madeira. Raimundo cerra a porta, colocando a chave sobre a mesinha e transpassa o ambiente em direção à cozinha, que, igualmente à sala, limita-se a um espaço bastante reduzindo, coloca os itens que trazia consigo sobre a pequena mesa circular e abre o forno do fogão retirando um pacote de pães; senta-se à mesa servindo-se com dois dedos de café preto que restavam na garrafa térmica que repousava sobre o móvel.

— Ué, e eu? Não bebo nada?
— Pegue um copo no armário e dividamos este que é todo o café que temos.
— Mas não quero café, quero chá, um chá inglês!
— Ingleses, geralmente, tomam chá com leite e também não temos mais leite. Sirva-se de um gole do meu próprio copo.
— Não, obrigado! Para comer, o que temos?
— Pães!
— Humm, eu adoro pãezinhos frescos e ainda quentes, com um fio de manteiga então, tornam-se fenomenais!
— Infelizmente eles estão aqui há alguns dias, como pouco e para mim são suficientes.
— Pães velhos? O que há com você? Onde estão seus modos? Exijo ser tratado com o mínimo de respeito e dignidade! Era o que me faltava! Perdi o apetite.
— Ok, comê-los-ei sozinho; comê-los-ei com a vontade do apaixonado que saboreia os segundos em presença do amor, com a vontade que faz desabrochar, na lânguida criança faminta, o sorriso puro da tenra infância, com a vontade que move homens de paz em tempos de guerra, com a vontade que germina a semente ao ser beijada pela gota de prata apartada dos céus de verão; comê-los-ei com a vontade e o prazer que nutro pela vida e por sonhos ainda não reais.
— Não entendo!
— O quê?
— Como pode falar tanto, e não dizer nada? Essa sua mania de falar coisas sem sentido, esse seu conformismo com a vida e com os rumos que ela nos fez seguir, veredas áridas e empoeiradas, sem horizontes definidos, veja aonde chegamos, veja até onde descemos, vivo, por si, as angústias que parecem não lhe afligir. Não sente saudade de sua vida pretérita? De todas aquelas experiências acumuladas, de todas aquelas pessoas à sua volta, das milhas percorridas, dos cálices de prata? Não sente saudade de ser quem foi?
— Sou quem fui, Assis, contudo, sou agora uma versão complexa daquele de outrora. Hoje conheço, de fato, aqueles que me dedicam vida, conheço-os em seu radical, assim como eles me conhecem, sei de suas fidelidades cruas e lhes sou fiel à mesma maneira; as condições materiais talvez sejam distintas, mas as verdades das pessoas também são, sem dúvida, divergentes das infidelidades condescendentes de tempos atrás. Pergunta-me se não sinto saudade e digo-lhe não, não a sinto, meu caro, pois hoje posso dizer-lhe que conheço de fato a essência do “Bom, do Belo e do Bem” desprovido de tudo que não o genuíno interesse em partilhar. “Sinto que sou tratado como uma flor de lapela, uma peça de decoração para deleitar-lhe a vaidade, um ornamento de um dia de verão.”, e se assim, de fato, me vê, sinto por si!
— Talvez por isso não controle sua Sangria!
— Como ousa querer barrar-me pelos caminhos que tenho que seguir!
— Ah, água é assim mesmo…
— Água, chama meus pensamentos de água?
— Agora parecem pedras!
— Não iguais às do Drummond —redarguiu — quem sabe, talvez, como as de Pessoa, que não construirá castelo nenhum com as pedras que atiram nele.
— Buarque que o diga: Genny, Genny, acorda dessa noite, já é meio-dia.
— Está louco! —diz Raimundo com sua sombra insistentemente.
— Olhe, você é grande, mas não é dois.
E pisa em sua sombra como vencedor da contenda.

Eduardo Candido Gomes

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sexta-feira, abril 27, 2012

Sentimentos azul-outono

Contemplo,
em meu claustro,
revoadas
que buscam pelo
próximo verão,
aljôfares que
correm de encontro ao mar,
enquanto brisas ousadas
murmuram-me
confidências ao

pé do ouvido.


“O que penso
eu do mundo?
Sei lá o
que penso do mundo”,
assim como
desconheço o
que sinto;
sei, contudo, que sinto,
e isso me basta…


Arrisco, baldado,
olvidar-me, definitivamente,
de rigorosos alvitres
que me dilaceram…
recordes
de elegantes
lábios escarlates
que bailam ao
ritmo de Gardel,
de olhos
tão intensos que
inebriam com a
violência de fadas
impressionistas,
de curvas
tão fartas que se
tornam perigosas
(VÓRTICES DE EMOÇÃO!)
silhuetas sinuosas
em que desejo
me encontrar
e me perder.


Arrisco e falho!
o sei, de certo;
sobra-me, pois,
diante de persistentes
reveses,
degustar o céu
azul-outono
embebido pelo saibo
doce-amargo
de amores
impossíveis.


 
Eduardo Candido Gomes
 
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quinta-feira, abril 26, 2012

Projeto Multifocais

Multifocais é um blog que pretende reunir boas ideias, de maneira independente, desvelando distintas formas de pensar e de visões de mundo; espaço democrático em que todos podem opinar, comentar, e enviar seu próprio material.

Caso deseje fazer parte de nossa mistura envie seu texto para multifokais@gmail.com.


Eduardo Candido Gomes

Raimundo Nonato (Parte V)


— Cuidei de seu rebanho, Assis — diz consumindo um gole.
— De meu rebanho? Está louco!
— Não fale assim comigo, que lhe fui fiel. Ingrato!
— Cale-se e dá-me um trago!
— Não lhe dou nada enquanto não se desculpar!
— Desculpar-me? Ora, por qual motivo?
— Ofendeu-me, logo a mim, que lhe fui fiel, como pôde?
— E quando o ofendi, pode dizer-me? Dá-me um trago.
— Como ousa dizer que não cuidei de seu rebanho? Fui o melhor pastor que você já teve um dia e fui o melhor porque o fiz por devoção.
— E quando o acusei do contrário? O que tem dentro desse frasco? Dá-me um gole!
— Tenho o mundo!
— O quê?
— Tenho o mundo, ora.
— E como há colocado todo o mundo nesse recipiente tão limitado? Acho improvável.
— Deixe-me em paz!
— É um mentiroso, logo vi.
— Cale-se, não quero mais continuar essa conversa — disse sorvendo outro gole, secando aos lábios com o guardanapo que trazia no bolso de seu blazer.
— Está bem, mudemos então o rumo da prosa, sobre o que quer falar?
— Com você, nesse exato momento, sobre nada. Deixa-me em paz!

Após alguns minutos subindo e descendo pelas ruas da baixa Bela Vista, em silêncio, para e encara uma árvore de copa mediana, permanece por alguns momentos fitando-a, ao que vê um casal de joões-de-barro de dorsos vermelho-terra pousados em um galho, tenta estimular o canto dos pássaros, como que chamando a um cachorro, o que faz com que o casal apresente um curto dueto antes de retomar o voo. Continuando em sua rota sinuosa, chega a um casebre simples, cuja construção deve datar de meados dos anos trinta e tem sua fachada desgastada pelo tempo, implorando por melhorias, sua mureta baixa adornada por um discreto jardim repleto de galhos secos e grama escassa e um pequeno, todavia distinto, apesar dos sinais de ferrugem, portão de ferro com rosas de aço em sua parte inferior na extremidade direita da mureta. Ao transpassar o portão, há um caminho formado por três pedras que dão acesso à pequena varanda, que antecede a porta de entrada centralmente disposta na parede frontal, amparada por um par de janelas laterais protegidas com grades, onde está uma solitária cadeira com estrutura de metal e apoios em tiras cilíndricas de plástico colorido, típicas do interior do estado, onde Raimundo senta-se com seus sonhos, resmungando algo indecifrável.

— Não entendo o que está falando.
— Não estou falando com você! E sim cá com meus botões.
— Deixe de bobeira, sabe que tem apenas a mim como companhia. Façamos as pazes, o que acha?
— Por que pensa que tenho apenas a ti como amigo? Tenho muitos, para seu governo, tenho inclusive uma namorada!
— Dessa eu não sabia!
— Seu problema é achar que sabe tudo a meu respeito, como penso, como vivo, com quem me relaciono ou deixo de fazê-lo. Você é parte apenas, não se esqueça.
— E quem é a dama misteriosa a quem chama de namorada?
— Não lhe interessa. Saiba, pois, que lhe comprarei, inclusive, um belo presente, pois fará anos.
— E quantos ela tem?
— Quantos o quê? Namorados? Apenas um, obviamente.
— Quantos anos, palerma!
— Ah!! Não sei, você sabe bem como são as mulheres, cheias de segredos com alguns números que para nós, homens, não fazem nenhum sentido.
— Bem sei! E como vocês se conheceram?
—Não me lembro ao certo, ultimamente algumas lembranças estão embaralhadas em mim, mas de fato namoramos, até já li um poema para ela, sabe, eu adoro a poesia, pois está presente em tudo, na dor, na alegria, no amor, no ódio, no dia, na noite, no sol, na chuva… para lê-la, precisa-se apenas ter os olhos certos de cada momento.
— E pressuponho que você tenha esses olhos…
— É claro, até parece que não estava comigo quando aquele casal há pouco nos declamou seus versos estridentes.
— Que casal? De pássaros?
—De fato você não tem os olhos necessários, Assis. Diga-me, como você enxerga o mundo?
— Enxergo-o como é, oras, comigo as coisas são preto no branco, não fico por aí divagando sobre a vida ou sobre o amor e coisas sem nexo. A vida é curta e não vou desperdiçá-la com filosofias insignificantes embaladas em vidro e enrolhadas por dúvidas.
— Será que você a vive de fato? Bom, chega de papo que está na hora do almoço e estou ficando faminto — diz levantando-se com certa dificuldade da confortável, apesar de simples, cadeira em direção à porta principal. Procura pela pequena chave apalpando seu bolso direito, contudo não a encontra. Para, pensa por alguns instantes e, com a satisfação do esportista que melhora sua marca após exaustivas jornadas, retira-a do bolso interno de seu casaco, comentando com certo sarcasmo e orgulho de seu feito:
— Aposto que achou que eu não sabia onde ela estava, não é?
Entretanto Assis já não estava ali, e sua pergunta permaneceu sem resposta, assim como seu feito, sem plateia.

...

Continua...

Eduardo Candido Gomes

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