“Muitas pessoas faliram por ter investido maciçamente na prosa da vida.

É uma honra arruinar-se por causa da poesia.”

Oscar Wilde

sexta-feira, abril 13, 2012

Raimundo Nonato (Parte I)

O silêncio é dominante, ouço apenas pensamentos e o barulho de páginas viradas de tempo em tempo. Seria possível notar passos na rua, caso fossem dados. O negrume espalha-se pelo ambiente corroído por um tênue foco de luz que se projeta, em tela, desvelando “crimes e castigos”. Tudo é estático, à parte os olhos que devoram, alucinados, palavras, frases, capítulos inteiros a cada nova linha.


Levanto e sirvo-me mais uma dose de Bourbon acompanhado por uma solitária pedra de gelo. Minha viagem a São Petersburgo é interrompida e com o copo na mão penso em meus caminhos, coloco a bebida sobre o porta-copo disposto ao lado de alguns retratos que repousam sobre a mesa de jacarandá, cujo corpo é talhado por belas nervuras, extingo a fonte luminosa vigente e sento-me. As janelas do escritório estão abertas, um sutil sopro externo penetra-o, oscilando as persianas de madeira e resfriando seu interior, enquanto permaneço imóvel. Lembro-me com riqueza de detalhes do sorriso exclusivo de minha avó e, a seu lado, está deitado, de modo peculiar, meu companheiro caramelo com as orelhas molhadas após fartar-se de água fresca. Avista-me e corre como em sua juventude, trajando sua camisa listrada em faixas horizontais nas cores vermelho, amarelo e branco, em minha direção. Sua saudade é tão significativa quanto a minha, abaixo-me e recebo infinitos beijos sinceros. Lágrimas brotam de meus olhos, regando meu rosto com ventura, enquanto o agarro, como que tentando materializá-lo novamente. Sei que meu reencontro é verdadeiro, já que seus pelos macios, seu nariz úmido e frio, sua potente pata de leão, são tangíveis naquele momento; pego-o em meus braços e sinto,subitamente, os dedos de meu anjo entre meus cabelos, afagos fraternos com que me brindava quando criança. O tempo avança, e adormeço sorrindo.


A escuridão verga a vida energizada pelos raios do sol que desabrocha no horizonte em meio ao céu royal despido de nuvens, conquistando campos urbanos. Alamedas, veredas, avenidas, outrora desertas, tornam-se palcos onde histórias serão construídas em cada vocativo, em cada vírgula, em cada exclamação, em cada detalhe de seus indivíduos.


Pauliceia em traços e aquarelas de Veras…


Despeço-me.


...


Continua...


Eduardo Candido Gomes


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