“Muitas pessoas faliram por ter investido maciçamente na prosa da vida.

É uma honra arruinar-se por causa da poesia.”

Oscar Wilde

sábado, abril 14, 2012

Raimundo Nonato (Parte II)

Desperto, enfim, com afinados bem-te-vis, tão magníficos quanto solos de Ella Fitzgerald, que se divertem em galhos robustos de um ipê-roxo que se reflete no solo por meio de flores desapegadas. Uma revoada complementa a orquestra e, de minha janela, avisto Raimundo Nonato, simpático cavalheiro, diuturnamente ébrio, que percorre os arredores ostentando, com ares aristocráticos, movimentos lentos e elegantes, um quepe no estilo marinheiro — assessório que me levou a rebatizá-lo dessa maneira —, um blazer azul-marinho com dois botões na mesma tonalidade e punhos carcomidos por conta, acredito, de seu uso exaustivo, adornado por uma flor, colhida em jardins olvidados e já desbotada, em sua lapela, e por um guardanapo, tratado como seda chinesa, em seu bolso, calças de sarja que sequer cobrem-lhe os tornozelos, em estado semelhante ao do blazer, uma camisa listrada, verticalmente, em azul e branco, e um par de sapatos de bico fino, com leves detalhes, trabalhados à mão, no couro marrom-café, bastante desgastado e opaco por conta da escassez de graxa, cujos solados periódicos noticiam jornadas intermináveis em busca do que não se sabe e, por ora, não foi encontrado. Faz, narra e comemora mais um de seus gols imaginários nas esquinas da Alameda Ribeirão Preto com a Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Por sua celebração efusiva, acredito ter sido um gol importante, quiçá, de final de copa do mundo; “Foi, foi, foi, foi ele, o craque da camisa…”, brada efusivo.

Findada sua comemoração, sorve dois goles de sua aguardente, beijando a garrafa para em seguida erguê-la com as duas mãos por sobre a cabeça, exibindo-a a todos, orgulhoso de seu feito; segue, contudo, em sua romaria com a “taça” em punho.

Gols,
dribles,
sonhos de infância
exibidos, à luz do dia,
pelas savanas bomfimnianas.

Preparo-me para iniciar o dia, após o breve desjejum na companhia dos meus, despeço-me com beijos e abraços carinhosos. Com o pensamento pronto, marcho por trilhos de progresso rumo à Ana Rosa; encontro-me, em poucos minutos, com o querido amigo e mestre, Camelo Ponte, com quem partilho, desenvolvo e construo tarefas, ideias, visões, sonhos, ideais para fomentar a cultura da educação e a educação da cultura, em revoluções de pensamentos e epistemes, “afoitos, rios que se ocultam em afluentes / transeuntes que desaparecem sob as cinzas do tempo”.

O “Bom”,
o“Belo” e o “Bem”
vivenciados a cada instante!
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A poesia e o poeta
a realidade e a verdade
o poeta e a poesia
a verdade e a realidade
a realidade-poesia
a verdade-poeta!!!

O trabalho consome, todavia rende, e o tempo voa de maneira prazerosa e intensa. É curioso como perdemos a noção de tempo/espaço quando tratamos de assuntos que nos são importantes e deleitosos. Despedimo-nos por algumas horas para tratar de temas distintos e ganho as ruas da cidade andante sob o deslocado, sol de Alencar, acolhendo de bom grado uma rara rajada de brisa, que me é dedicada, em meio ao calor asfixiante de prédios, carros, motos, que elevam à sensação térmica ao firmamento. As pessoas refrescam-se como podem, em uma quelha, próximo à Biblioteca Nacional, cinco crianças banham-se, apenas de bermudas, em uma mangueira cujo bico apontado para o céu simula garoa em formato de cogumelo, à minha esquerda, com as compras repousadas no solo e olhar exausto, uma mulher, cujos cabelos despiram-se, há muito, da melanina, seca os humores que lhe são segregados e escorrem pelas têmporas, sob uma acolhedora sombra desenhada por casebres centenários, contíguos, que exalam história, construídos com sangue imigrante, em meio ao vasto mar de luz que inunda o centro da cidade.

“No entardecer dos dias de verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa…
Mas as árvores permanecem imóveis”.

Detenho-me por instantes examinando-os, pormenores milimetricamente esculpidos em madeira,em pedra… Sulcose figuras que são nada apartados do conjunto; todavia, à média distância, explicam-se e tornam-se imponentes; as janelas dão o ritmo dessa sinfonia.

O relógio move-se em ritmo vigoroso e prossigo com minha agenda ainda que extasiado por belezas desveladas.

“Às vezes,
para chegar exatamente aqui onde estou,
é preciso ir muito longe…
os caminhos não podem ser percorridos rapidamente.
É preciso acumular conceitos,
imagens, histórias (…), poemas,
porque ‘o mundo é uma escola’
e ‘a universidade é o caminho’.”

...

Continua...

Eduardo Candido Gomes

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